Diz a sabedoria popular que "de perto ninguém é normal". A discussão sobre a normalidade parece ter sido superada, já que a área psi (psicologia, psicanálise, psiquiatria) nunca chegou a um consenso sobre o que é ser normal. Pode-se definir um padrão sociocultural sobre comportamentos aceitáveis e comportamentos desviantes. Sem mencionar que os ditos comportamentos aceitáveis podem cair nos estereótipos (como padrão de beleza), e os comportamentos desviantes podem ser criminosos (como a pedofilia, os assassinatos em série). Se é fato que se enquadrar é uma necessidade humana, que a sociedade precisa de limites claros do que é certo e errado, e o aparecimento de sujeitos que agem de acordo com as próprias regras é uma ameaça ao equilíbrio do grupo, também é fato que controles e modelos rígidos podem causar pressão psicológica insuportável.
Além das neuroses e psicoses clássicas, a sociedade moderna produz novas síndromes e novos desviantes: a síndrome da pressa, que lembra o Coelho Branco de Alice no País das Maravilhas, sempre consultando o relógio e murmurando: "Ai, meu Deus, vou chegar muito atrasado!"; a síndrome da magreza, que, em casos extremos, resulta em bulimia e anorexia, quando a pessoa chega ao ponto de não perceber o próprio corpo magro e acredita que ainda está gorda; a síndrome do consumismo (já há grupos de apoio para os que compram demais e se endividam); a síndrome da estética, representada por cirurgias plásticas, implantes, botox, e até a utilização de fórmulas com formol, substância usada na preservação de cadáveres, para alisar os cabelos; a síndrome de Peter Pan, a não aceitação da velhice, ou a visão desta quase como doença. Há também a dismorfia corporal, uma variação do transtorno obssessivo-compulsivo (TOC), que se caracteriza por uma vaidade excessiva que provoca na pessoa insatisfação com a própria imagem, o que a faz buscar um modelo inalcançável através de inúmeras cirurgias plásticas e tratamentos ortodoxos ou não (o exemplo mais conhecido é o do cantor Michael Jackson), que pode levar a pessoa ao suicídio.
A doença é socialmente produzida com outras faces, catalogada, e então tratada com terapias, remédios e, se necessário, internação. É um desdobramento revisto e atualizado das antigas psicoses e neuroses, novas esquizofrenias, novas prisões do sujeito em desejos impossíveis, sem respostas. A grande questão é: o que fazer das demandas por modelos que esquecem o sujeito (seu "interior") e trabalham com imagens preconcebidas (o "exterior")? A indústria farmacêutica financia pesquisas que visam ao desenvolvimento de drogas que minimizem o sofrimento emocional, contribuindo para a idéia de que é possível controlar e "medicalizar" distúrbios como, por exemplo, a depressão (são os chamados estabilizadores químicos, sendo o prozac o mais conhecido). As drogas interessam por sua funcionalidade, e são periodicamente substituídas pelas "de última geração".
Em relação às angústias existenciais de quem não se enquadra em modelos aceitos, mas nem por isso pode ser considerado desviante, há opções de terapias tradicionais e alternativas para todos os gostos e problemas. Sem mencionar a possibilidade de, como num grande restaurante self service, misturar florais, cromoterapia e terapia reichiana, ou candomblé, psicanálise e radiestesia. Ou seja, o cardápio é variado, mas o indivíduo precisa ter idéia do que está fazendo e de quem é o profissional que o está atendendo. Afinal, sempre existiram os vendedores de sortilégio e ilusões, as poções mágicas e a promessa de fortuna, glória e trazer a pessoa amada em três dias. Nada disso é privilégio de nosso tempo, a mistificação sempre existiu. Assim como a eterna busca da felicidade, dentro ou fora de um padrão.